Pensar é difícil
Artigo originalmente publicado na página Intelectualidade.online
Por Marcelo Henrique
Inspirado pela reflexão de Jung trazida pelo espaço Entre Aspas do Portal Dokimasia (www.dokimasia.com.br), entendo apropriadas algumas considerações, sobretudo tentando trazer para 2024 o pensamento desse psicoterapeuta suíço de grande relevo no universo da Psicanálise. Nascido ainda no século XIX, Jung viveu até 1961, tendo deixado um legado acadêmico muito grande, principalmente a fundação da psicologia analítica. De toda forma, neste momento vamos nos debruçar apenas sobre a frase epigrafada e sua contextualização hodierna.
Com o passar dos tempos, o advento da tecnologia elevou a produtividade e potencializou a capacidade das pessoas, criando panoramas cada vez mais especializados e, assim, fustigando as atividades mais generalistas. Se por um lado a maquinofatura vem, aos poucos, retirando postos de trabalho humanos e acentuando o desemprego estrutural, por outro, esse movimento promove inovações outrora inimagináveis. A inteligência artificial, por exemplo, recentemente foi capaz de permitir a descoberta de novos antibióticos após sessenta anos1. Essa interação Homem versus Máquina, embora promissora, tem promovido algumas alterações significativas na vida das pessoas.
A capacidade de organização e execução de tarefas adjetas poderia, em tese, liberar mais tempo nas já repletas agendas das pessoas. Entretanto, o tempo adquirido dessa forma acaba sendo redistribuído para outras atividades de trabalho, tornando as pessoas cada vez mais atarefadas. É esse efeito causado pelo famoso mensageiro WhatsApp, o qual concentra em um mesmo ambiente uma poderosa ferramenta de comunicação com aplicações financeiras, comerciais e de relacionamento, permitindo a rápida apreciação de problemas que anteriormente levariam dias para apreciação. Tudo isso ao caríssimo preço de deixar todos online a todo tempo, em uma quase insana disponibilidade, a qual desafia os limites do possível e, principalmente, do razoável.
Dentro desse panorama, construiu-se uma sociedade imediatista, que pensa menos e age mais, geralmente dominada pela ansiedade e pelo impulso. E é exatamente nesse viés que o pensamento de Jung toma especial destaque no cidadão de 2024, muito mais do que nas pessoas da primeira metade do século XX. Na verdade, a suposta necessidade de agilidade a qualquer preço acabou por condicionar grande parte da população a substituir profundidade por quantidade, em um salto quantitativo bastante distorcido e divorciado do paralelo qualitativo.
Em um mundo de quantidade excessiva de informações – por alguns até alcunhado de sociedade da informação –, os mais incautos andam reféns de sua própria desídia intelectual que lhes afasta do ato de pensar. Seja por falta de tempo, por comodismo, ou por falta de arcabouço cultural, fato é que sociedades que pensam menos tendem a serem cada vez mais enganadas. E dentro desse panorama, é evidente que embora antigas, as fake news nunca foram tão eficazes como se demonstram hoje em dia, fazendo parte até do cardápio de recursos midiáticos usados pelas celebridades para causar algum tipo de evidência positiva ou negativa.
E o problema não são as redes socais, como muito se fala. Esses recursos se prestam apenas para dar voz, para ser o instrumento de comunicação em massa acessível a todos. Há muitos anos, o compositor Juca Chaves, em tempos pretéritos até à Internet comercial, já polemizava com a seguinte frase: “A imprensa é muito séria, se você pagar eles até publicam a verdade.” Em uma clara alusão à manipulação da verdade exercida por alguns veículos de imprensa, os quais tinham toda a população em suas mãos, já que eram as fontes únicas de acesso à informação. Então, manipular a verdade, mentir ou publicar fake news, é algo bastante antigo, mas mais perceptível nos dias de hoje diante da quebra do monopólio da verdade, justamente em virtude das redes sociais, as quais permitem um contato mais direto com a realidade dos fatos, sem maquiagens ou edições tendenciosas.
Por tudo isso, o cidadão de 2024 não pode mais se limitar a fontes de informações únicas e unilaterais. Buscar a verdade significa pensar, refletir e, principalmente, beber de fontes confiáveis, verificáveis e com multiplicidade de emissores. Além disso, é imperioso ter a inteligência de escapar das campanhas difamatórias, atualmente profissionalizadas e precificadas pelos meios de comunicação. Mas, como o tempo é escasso e a tarefa não é fácil, a grande parte das pessoas optam por julgar. Além de ágil, o julgamento não demanda maiores esforços e, inclusive, já vem fundamentado em pretensas matérias jornalísticas compromissadas apenas com o cliente que as encomendou.
E talvez seja esse um dos maiores pontos diferenciais entre as pessoas de sucesso e as retardatárias. Julgar ao invés de pensar não é cruel com aquele que fora julgado. Ao contrário, a ele é o brinde do afastamento de seu círculo de mais uma pessoa pequena, inexpressiva e que, certamente, ali estava no aguardo de algum benefício, totalmente distante de uma amizade sincera ou aprendizagem genuína. Aos que julgam e não pensam, o estigma de todos os preguiçosos: o carimbo eterno de “promessa para o próximo ano”, em um ano que nunca chega. Pessoas realmente bem-sucedidas não se deixam enganar por falácias, sobretudo quando tem suas próprias experiências e, por elas, têm a capacidade de construir suas convicções de forma clara e escorreita.
De toda forma, tudo isso faz parte. Lamentável é a capacidade do ser humano de não evoluir internamente. Afinal, o maior de todos os Homens, Jesus Cristo, foi julgado, condenado e morto em razão de fake news propagadas por autoridades inescrupulosas que se compuseram com julgadores corruptos. Se o próprio Deus foi tratado assim, o que nós – miseráveis e famigerados humanos – podemos esperar? Os judeus mataram Jesus porque preferiram julgar a pensar. Fica a reflexão, independente do olhar religioso.
Mais do que a reflexão, deixo o convite para que possamos ter a capacidade de pensar. Algo simples, até comezinho, mas que realmente pode mudar o curso da História. Pensar mais levará as pessoas a discernir entre a verdade e a mentira, além de ajudar na compreensão do outro e induzir ao exercício de colocar-se no lugar do outro e não simplesmente julgar e passar o dedo rumo à próxima notícia. Assim caminharemos para um mundo com menos inocentes presos, acusados injustamente que cometem suicídio – como o ator coreano que protagonizou o longa O Parasita –, menos guerras e, principalmente, mais paz.