Fim do acordo de envio de gás russo via Ucrânia agrava tensões energéticas entre Europa e Moscou

O término do acordo que regulamentava o trânsito de gás natural russo para a Europa através da Ucrânia marca um momento crítico nas relações energéticas entre Moscou e a União Europeia. O pacto, que expirou em 31 de dezembro de 2024, foi por anos um dos principais alicerces do fornecimento energético europeu, assegurando a transferência de bilhões de metros cúbicos de gás anualmente.
Com a não renovação do acordo, intensificam-se as incertezas no mercado energético europeu, já pressionado pelas sanções impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia em 2022 e pela busca europeia por alternativas para reduzir a dependência de combustíveis fósseis russos.
Histórico do acordo e importância estratégica
Firmado em dezembro de 2019 entre a gigante energética russa Gazprom e a estatal ucraniana Naftogaz, o acordo previa o transporte de até 65 bilhões de metros cúbicos de gás em 2020 e 40 bilhões de metros cúbicos anuais até 2024. A Ucrânia, por sua posição estratégica como principal rota terrestre para o gás russo, recebia taxas de trânsito que somaram cerca de US$ 7 bilhões ao longo do contrato.
O gasoduto que atravessa o território ucraniano desempenhou um papel crucial durante décadas para a segurança energética europeia. Antes da invasão russa da Ucrânia, cerca de 40% do gás consumido na Europa era fornecido pela Rússia, com uma parte significativa transitando pela Ucrânia.
Razões para o término do acordo
O fim do acordo é atribuído a múltiplos fatores, incluindo a deterioração das relações entre Moscou e Kiev e o redirecionamento dos fluxos de gás para rotas alternativas, como os gasodutos Nord Stream e TurkStream. No entanto, os danos severos causados ao Nord Stream 1 e 2 em 2022, atribuídos a sabotagens, reduziram drasticamente a capacidade da Rússia de abastecer o mercado europeu.
A Ucrânia, por sua vez, tem enfatizado que a não renovação do acordo reflete uma estratégia de Moscou para enfraquecer economicamente o país. “Ao interromper o trânsito de gás, a Rússia busca não apenas privar a Europa de uma fonte vital de energia, mas também atacar uma das principais receitas da Ucrânia”, declarou Oleksiy Chernyshov, CEO da Naftogaz.
Impactos na Europa
O término do acordo agrava os desafios energéticos enfrentados pela União Europeia, que já reduziu sua dependência do gás russo para menos de 15% do consumo total em 2024, segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE). Contudo, países como Alemanha, Itália e Hungria ainda enfrentam dificuldades em diversificar suas fontes de abastecimento.
A alta nos preços do gás durante o inverno europeu de 2022-2023, impulsionada pela guerra na Ucrânia, forçou a Europa a adotar medidas emergenciais, incluindo o aumento das importações de gás natural liquefeito (GNL) dos Estados Unidos e Qatar e o uso temporário de fontes de energia mais poluentes, como o carvão.
Embora a UE tenha conseguido preencher seus estoques de gás em 2024, a falta de um fornecimento estável e previsível continua sendo um problema. “O término deste acordo não apenas ameaça a segurança energética, mas também pode provocar novas altas nos preços do gás, impactando consumidores e indústrias em toda a Europa”, alertou Fatih Birol, diretor-executivo da AIE.
Alternativas e políticas energéticas
Diante do novo cenário, a União Europeia intensificou seus esforços para diversificar sua matriz energética. Entre as principais iniciativas estão:
- Aceleração da transição para energias renováveis: A UE pretende aumentar a participação de fontes renováveis em sua matriz energética para 45% até 2030.
- Expansão de infraestrutura de GNL: Novos terminais de importação de GNL estão sendo construídos, especialmente na Alemanha e no leste europeu.
- Parcerias estratégicas: A Europa fortaleceu acordos de fornecimento com países como Noruega, Argélia e Estados Unidos.
Reações e tensões políticas
O Kremlin, por meio de porta-vozes, afirmou que a não renovação do acordo é consequência direta das sanções impostas à Rússia. “A Europa está colhendo os frutos de suas próprias políticas hostis. A Rússia continuará a redirecionar seu gás para mercados que demonstram verdadeira cooperação”, declarou Alexey Miller, CEO da Gazprom.
Por outro lado, líderes europeus acusam Moscou de utilizar o gás como arma geopolítica. “Este é mais um exemplo da tentativa da Rússia de dividir e enfraquecer a Europa. Devemos responder com unidade e determinação”, afirmou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.
Futuro das relações energéticas
O fim do acordo simboliza o colapso de uma era em que a interdependência energética entre Rússia e Europa era vista como um pilar de estabilidade. No entanto, o atual cenário de tensões geopolíticas e a transição energética em curso apontam para um futuro em que a Europa buscará maior autonomia energética, enquanto a Rússia tenta expandir sua influência em mercados asiáticos.
As consequências econômicas e políticas dessa ruptura ainda estão por vir, mas o que é certo é que o panorama energético global nunca mais será o mesmo. A busca por soluções sustentáveis e resilientes tornou-se mais urgente do que nunca, em um mundo marcado por crises e incertezas.