13/12/2025

 Exploração Neurocientífica de Dois Domínios Humanos Distintos

No vasto campo da neurociência, está emergindo uma compreensão fascinante sobre a formação dos valores humanos e como estes se manifestam em diferentes áreas de nossas vidas. Pesquisas recentes indicam que nosso cérebro processa de maneira diferenciada aquilo que consideramos sagrado e aquilo que é passível de negociação. Essas distinções, profundamente enraizadas nas estruturas neurais, apontam para vias específicas e distintas para diferentes aspectos de nossa existência. Neste contexto, a neurociência não apenas ilumina os meandros das crenças e valores humanos, mas também revela por que certos valores são tão resistentes à mudança e ao compromisso.

O Estudo Neurocientífico do Sagrado

 

Pesquisadores como Richard Boyatzis, da Case Western Reserve University, e Mario Beauregard, da Universidade de Montreal, têm se debruçado sobre o tema do “sagrado”, explorando o papel das vias neurais em torno das experiências religiosas e do sagrado. As suas pesquisas revelam que, quando confrontados com ideias consideradas sagradas – sejam elas religiosas, morais ou filosóficas – áreas específicas do cérebro, como o córtex pré-frontal ventromedial e a área de recompensa do estriado ventral, são ativadas. Essas áreas estão intimamente associadas ao prazer profundo e ao sentido de propósito.

Estudos de neuroimagem funcional (fMRI) mostram que, quando um indivíduo se envolve em experiências que são pessoalmente significativas ou espiritualmente profundas, há uma ativação conjunta dessas regiões cerebrais. Beauregard, em suas pesquisas sobre a experiência de meditação e oração, destaca que esses estados mentais e emocionais conectam o indivíduo a algo maior que si mesmo, provocando uma redução significativa dos níveis de estresse, aumento da resiliência emocional e até efeitos fisiológicos benéficos, como a diminuição da pressão arterial.

Essa ativação do córtex pré-frontal ventromedial também sugere uma relação com a tendência humana de ver valores sagrados como inegociáveis. Esses valores se tornam fundamentais para a identidade, à medida que o cérebro atribui a eles um peso emocional significativo, que supera os elementos mais utilitários e práticos de nossa existência.

Vias Neurais para Coisas Negociáveis

 

Por outro lado, é interessante notar como outros valores humanos, que podem ser considerados “negociáveis”, são processados em circuitos diferentes do cérebro. Quando uma decisão envolve transações comerciais ou escolha entre opções que dizem respeito a benefícios pragmáticos, a área predominantemente ativada é o córtex pré-frontal dorsolateral, associado ao raciocínio lógico e à tomada de decisão baseada em custo-benefício.

Um estudo realizado por Gregory Berns, neurocientista da Emory University, sugere que a dissociação entre as vias neurais do sagrado e do negociável é tão profunda que, quando valores sagrados são pressionados a se tornarem passíveis de negociação, os indivíduos tendem a reagir com resistência emocional acentuada. Isso é exemplificado por estudos comportamentais que indicam que as pessoas não aceitam dinheiro em troca de violar esses valores, como, por exemplo, em questões relacionadas à integridade, à família ou à religião.

No contexto das decisões pragmáticas, como a escolha de produtos ou serviços, o processamento neural envolve um cálculo de custo-benefício que é comparativamente frio, distante do peso emocional que caracteriza as vias neurais do sagrado. Nessa esfera, o córtex pré-frontal dorsolateral facilita o pensamento analítico e racional, permitindo que o indivíduo negocie e modifique suas escolhas de acordo com circunstâncias concretas.

Neurociência, Espiritualidade e Valores Humanísticos

 

Estudos conduzidos por Jordan Grafman, do National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS), indicam que as vias do cérebro envolvidas na espiritualidade e nos valores morais possuem uma intersecção significativa com as redes de empatia e percepção social. Essas áreas incluem o córtex cingulado anterior e a ínsula, estruturas cerebrais que são ativadas quando sentimos compaixão ou contemplamos o sofrimento alheio.

A religião e o sentido do sagrado, portanto, não apenas são valores abstratos, mas também estão anatomicamente enraizados em áreas que promovem conexões sociais e altruísmo. Isso ajuda a explicar o papel duradouro das crenças espirituais e a tendência humana de se conectar a uma comunidade mais ampla, buscando sentido para além do indivíduo.

O Papel da Cultura na Configuração das Vias Neurais

 

Ainda que as pesquisas indiquem uma base biológica comum, é importante considerar o papel da cultura na formação dessas redes neurais. O antropólogo cognitivo Pascal Boyer argumenta que as experiências culturais têm um impacto significativo na maneira como certas vias neurais são reforçadas ou modeladas. Um indivíduo que cresce em uma sociedade onde a religiosidade tem papel central provavelmente terá vias do sagrado mais fortalecidas, enquanto sociedades mais seculares podem tender a valorizar o raciocínio pragmático em maior grau.

 Duas Faces de Uma Mesma Moeda

 

As investigações sobre as vias neurais que diferenciam o sagrado do negociável nos oferecem uma janela fascinante para compreender como nossos cérebros processam diferentes categorias de valores humanos. As pesquisas indicam que, enquanto algumas escolhas são mediadas por redes cerebrais voltadas à racionalidade e ao pragmatismo, outras são regidas por circuitos que envolvem emoção profunda e sentido de identidade.

Essa dicotomia sugere que as experiências humanas não podem ser plenamente compreendidas sem reconhecer o papel do sagrado e do prático em nossa vida cotidiana. As vias neurais para o sagrado nos ajudam a manter um senso de propósito e identidade, enquanto as vias para o negociável nos permitem navegar pelos desafios da vida pragmática. Ambas as dimensões, profundamente interligadas e complementares, são essenciais para a complexidade da condição humana.

Segundo Rodrigo Astolfi, neurocientista, no cérebro não há espaços vazios para atribuição do sagrado (inegociável). Portanto, se você não preencher essa lacuna cerebral com o que você, de fato, compreende como sagrado, seu cérebro irá fazer isso por você, o que pode ensejar um resultado discrepante de sua personalidade.