20/06/2025

Por Dra. Edilza Ribas

 

Querido leitor, com todo respeito que lhe tenho, peço licença para citar o trecho da letra da música que entendo adequada para fundamentar a proposta deste título.

ADMIRÁVEL GADO NOVO

Vocês que fazem parte desta massa, que passa nos projetos do futuro.

È duro tanto ter que caminhar e dar muito mais do que receber…

É ter que demonstrar tua coragem, à margem do que posso parecer.

E ver que toda esta essa engrenagem já sente a ferrugem te comer”.

​​Êeeh! Oh! Oh! Vida de gado, povo marcado é povo feliz!…

Neste contexto, cumpri apriore, a necessidade da definição etimológica da palavra alienação, deriva do latim “alienare” que significa torna-se alheio, fora de si, ou estranho a si, preso, pertencente a outrem.

Na ciência jurídica a alienação é um instituto jurídico que se refere a transmissão o outro de uma propriedade ou um direito por venda ou doação.

Este conceito na filosofia foi amplamente discutido e para o filosofo Hegel, a alienação ocorre quando o espirito (ou consciência) humano se vê separado da sua verdadeira essência. Assim sendo, a consciência pode se objetivar em formas externas (como cultura, sociedade, leis, etc), pode perder o contato com a própria natureza. No entanto é vista como um passo necessário na busca da autocompreensão e superação, onde a consciência consigo mesmo ao reconhecer essas formas externas como parte de sua própria realidade.

Considerando o pensamento Marxiano, que focou na alienação do trabalho, que ocorre à medida que se manifesta como produção de um objeto que é alheio ao seu criador, se tornando um processo de coisificação ou reitificação.

Já dentro do contexto filosófico, se refere ao fato do individuo perder a sua própria identidade, estar estranho a si, tendo uma consciência refém de um jeito alheio de pensar, portador de um pensamento acrítico, ausente na realidade e mais presente da desconexão entre o individuo e os aspectos essenciais da vida, seja no trabalho, nas relações sociais, econômicas, ou no próprio sentido da vida.

Caro leitor, talvez você já tenha experimentado o incrível fascínio do consumo, nesta lógica da ideologia do consumir, as pessoas se destacam ao “poder de ter”, e neste ritmo de alienação contemporânea exacerbada, reflete de alguma forma um vazio, uma carência, como se objeto pudesse suprir a falta de algo que não sei te dizer, o ao mesmo tempo o “ter” atua como sinal de diferença,  de destaque ou status. O consumidor alienado age desejando o que não tem e amando o que não possui, quanto mais poder sobre as coisas, mas as coisas o dominam por inteiro e menos desprovido será da sua própria identidade. O trecho da música se amolda a este contexto como uma crítica a esta alienação.

A “coragem à margem” sugere a resistência ao fluxo dominante de consumo, enquanto a “engrenagem” que sente a ferrugem, simboliza o sistema de consumo em massa, que eventualmente mostra sinais de desgaste ou ineficiência, talvez por falta de autencidade ou por conta da saturação.

Neste contexto, “a ferrugem” pode ser vista como as consequências negativas desta alienação, como a perda de valores, esgotamento de recursos, e a eventual insatisfação dos consumidores que apesar de seguirem o que a sociedade impõe como padrão de referência ao poder de ter e ser , não encontram realização pessoal, e se tornam sujeitos estranhos a si mesmo.

Esta belíssima música, do querido cantor Zé Ramalho, nos sugere a reflexão no sentido de nos despertar a posicionar de forma critica e à margem deste sistema, questionando as engrenagens que nos impulsionam a consumir de forma desordenada.

Nobre leitor, se me permite dizer, fazemos parte desta massa, carimbados como “gado novo” ou etiquetados como dito por Carlos Drummond de Andrade que se destaca neste belo poema:

“ Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome… estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
[…] Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens, letras falantes,
gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência, indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda,
ainda que a moda
seja negar minha identidade […]
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.

Neste trecho se revela a ausência do verdadeiro prazer da coisa adquirida, o consumo deixa de ser um meio para se tornar um fim, desordenado em si mesmo, despertada pelo apetite da novidade, alimentada pela síndrome da neofilia e igualmente pelo infinito desejo humano de distinção e inserção.

Nesta infeliz cultura do descartável, que precisa do novo, do belo, do padrão de beleza imposto pela sociedade alienada, do que não é meu… requer mudanças profundas, para contradizer essa ideologia, que neste sentindo se torna instrumento poderoso de dominação, visto que apresenta a formula “perfeita” de homogeneizar as diferenças individuais, gerando a equivocada consciência de uma realidade particular universalizada.

Cumpri destacar, que filosofar encontra vocação na necessidade essencial de vida humana, ao assumir a posição de remodelação ou rememoração do está encoberto por um véu obsoleto que alimenta esta engrenagem, seja pelo costume, pelo poder, pela alienação ou ideologia.

Pensar além das aparências se tornou um luxo pouco existente e pouco apreciável, não estou a pensar radicalmente no mundo, nem tenho tamanho ousadia de dizer verdades, mesmo porque não as possuo na integralidade, visto não serem estáticas e nem definitivas, pois se as afirmo estou com certeza a negá-las, e nesta incertezas, a liberdade humana pode se revelar as olhos a possibilidade de uma cultura que tem capacidade de transcender, que lhe permitirá superar limites que nos condenam e nos aprisionam. Buscar o sentido da vida, envolve o despertar para compreender a realidade de si mesmo, questionar as verdades pré-estabelecidas, refletir criticamente sobre crenças, valores, princípios e virtudes, e buscar o entendimento mais profundo das questões fundamentais da existência como sentido da vida, da justiça e da liberdade.

Deixo-lhes com a seguinte e silenciosa reflexão que se destaca na música do saudoso Cazuza/ Frejat:

“O meu prazer agora é risco de vida

Meu sex and drugs não tem nenhum rock in roll

Eu vou pagar a conta do analista, pra nunca mais

Ter que saber quem eu sou.

Ah! Saber quem eu sou”

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