Caso Vavá: 3 anos de perguntas sem respostas
Em Alto Alegre do Maranhão, uma pequena cidade do interior do estado, um caso que mistura tragédia, violência e descaso institucional continua sem respostas, há quatro longos anos. O jovem Vandeilson, mais conhecido como Vavá, foi levado de sua casa de forma violenta durante uma crise psicótica, em um episódio que envolveu o Conselho Tutelar e a Polícia. Desde então, Vavá nunca mais foi visto. A família, consumida pelo desespero e pela dor, ainda busca respostas na Justiça, tentando compreender o paradeiro do filho que foi, segundo relatam, vítima de uma série de injustiças motivadas por racismo e discriminação.
O desaparecimento de Vavá: os fatos
O episódio ocorreu em novembro de 2021, quando Vavá, um adolescente negro de 17 anos, que sofria de esquizofrenia, teve uma crise psíquica em sua residência. Sua condição já era conhecida pela comunidade local, e ele vinha sendo acompanhado pela família, que enfrentava dificuldades financeiras para oferecer o tratamento adequado ao jovem. No entanto, em vez de encontrar apoio e tratamento adequado, Vavá foi brutalmente retirado de casa pelas autoridades, de acordo com relatos da família e de testemunhas.
O Conselho Tutelar, que deveria ter agido com sensibilidade e cuidado ao lidar com um menor de idade em situação de vulnerabilidade mental, decidiu acionar a Polícia. A ação culminou na remoção violenta de Vavá de sua residência, em uma intervenção que chocou a comunidade. O que torna o caso ainda mais trágico é o fato de que, desde então, o paradeiro do adolescente é desconhecido. A ausência de qualquer informação concreta sobre seu destino ou estado de saúde gerou grande angústia para a família, que vive uma busca incessante por justiça e esclarecimentos.
A família alega que Vavá foi tratado como um criminoso, mesmo em meio a uma crise mental severa. A falta de preparo das autoridades para lidar com casos de saúde mental, somada a fatores como preconceito racial e a condição social da família, resultou em um tratamento desumano ao jovem, cujos direitos foram brutalmente violados. Desde o desaparecimento, não houve qualquer retorno por parte das autoridades sobre o destino de Vavá, criando um vácuo de informações que só aprofunda o sofrimento de seus familiares.
O cenário de discriminação e violência
O caso de Vavá traz à tona questões mais amplas e complexas sobre a forma como o Estado brasileiro lida com jovens negros, pobres e com transtornos mentais. Segundo a ativista de Direitos Humanos Ana Medeiros, que dedicou um artigo à memória de Vavá e de outros tantos jovens em situações semelhantes, o episódio evidencia um sistema social que marginaliza e criminaliza a pobreza, a cor da pele e as condições de saúde mental. Medeiros destaca que a violência sofrida por Vavá tem raízes profundas em um sistema de opressão, onde políticas públicas e normas sociais são estruturadas para punir e controlar grupos minoritários.
Em sua análise, Ana Medeiros sugere que o caso de Vavá não é isolado, mas sim parte de uma longa tradição de violência institucional dirigida contra os mais vulneráveis da sociedade brasileira. Para ela, a história de Vavá é um reflexo do racismo estrutural que permeia as instituições públicas do país, onde a cor da pele e a classe social muitas vezes determinam o tratamento recebido pelas autoridades. O fato de Vavá ser negro, pobre e diagnosticado com esquizofrenia colocou-o em uma posição de vulnerabilidade extrema, onde, ao invés de encontrar cuidado e suporte, ele foi alvo de violência e desaparecimento forçado.
A busca por justiça
A família de Vavá ainda luta para obter respostas do Estado. Desde o desaparecimento, eles moveram processos judiciais para tentar localizar o jovem e responsabilizar as autoridades envolvidas em sua remoção. Até o momento, nenhuma pessoa foi punida e as autoridades envolvidas na operação que retirou Vavá de casa não forneceram qualquer explicação satisfatória sobre seu destino. Boatos circulam pela comunidade, com suposições de que ele teria sido internado em clínicas psiquiátricas ou em comunidades terapêuticas, mas nada foi oficialmente confirmado.
A violação dos direitos de Vavá é flagrante. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que deveria garantir a proteção integral de jovens em situação de vulnerabilidade, foi ignorado no tratamento dado ao adolescente. A atuação das autoridades no caso foi, segundo a família, motivada por preconceitos e discriminação, deixando de lado qualquer sensibilidade diante da situação de saúde mental de Vavá.
Esse processo judicial, que já se arrasta por quatro anos, é também um símbolo da ineficácia do sistema judiciário brasileiro em casos que envolvem jovens negros e pobres. Conforme ressaltado pela ativista Ana Medeiros, o sistema de justiça no Brasil, em muitos casos, é seletivo: há uma justiça para os mais ricos e influentes, e outra para os mais pobres e vulneráveis, que muitas vezes enfrentam o abandono do Estado. Vavá, ao que tudo indica, caiu nas engrenagens dessa justiça seletiva, sendo vítima de uma série de omissões e ações violentas que culminaram em seu desaparecimento.
O caso de Vavá é emblemático não só pela brutalidade envolvida, mas pelo silêncio que o envolve. A ausência de respostas do Estado é, em si, uma violência contínua que aprofunda a dor da família. A história de Vavá também nos força a refletir sobre o tratamento destinado aos jovens negros e pobres no Brasil, especialmente aqueles que sofrem com transtornos mentais.
Casos como o de Vavá não deveriam ser comuns, mas são. A violência institucional e o racismo estrutural que permeiam as políticas públicas e as ações das autoridades muitas vezes convergem para a criminalização daqueles que já são marginalizados. Enquanto a família de Vavá luta por justiça, sua história se une à de muitos outros jovens brasileiros que, como ele, foram vítimas de um sistema que, em vez de protegê-los, os puniu severamente.
A justiça por Vavá ainda é esperada, e é fundamental que o Estado brasileiro responda por suas ações, garantindo não só o esclarecimento sobre o paradeiro do jovem, mas também a responsabilização de todos os envolvidos. A sociedade brasileira deve se unir em torno dessa causa, exigindo um sistema mais justo, humano e inclusivo, que proteja e cuide dos mais vulneráveis, em vez de os abandonar à própria sorte.
A violência policial contra pessoas pertencentes a grupos vulneráveis no Brasil é uma realidade persistente e alarmante. Diversos estudos e relatórios indicam que indivíduos negros, pobres, moradores de periferias e aqueles com transtornos de saúde mental são desproporcionalmente alvo de abusos e brutalidade por parte das forças de segurança. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a população negra representa mais de 75% das vítimas de intervenções policiais letais no país, evidenciando o viés racial que permeia as operações de segurança pública. Esses números indicam um padrão de atuação que criminaliza grupos historicamente marginalizados, transformando-os em alvos prioritários das ações repressivas do Estado.
Pessoas com transtornos mentais, como Vavá, também se encontram em uma posição de extrema vulnerabilidade diante da polícia. A falta de treinamento adequado para os agentes no manejo de situações envolvendo crises psíquicas frequentemente resulta em ações desproporcionais e violentas, ao invés de intervenções de saúde e suporte psicológico. Casos de abuso contra indivíduos com transtornos mentais reforçam a percepção de que essas pessoas são tratadas como “ameaças” pela polícia, em vez de cidadãos que necessitam de cuidados especializados. Em muitos desses casos, o Estado falha em promover uma abordagem humanizada e adequada para lidar com a complexidade das questões de saúde mental, contribuindo para a violência institucional.
Outro fator que agrava a situação é a militarização da polícia brasileira e o histórico de operações repressivas em comunidades de baixa renda. A utilização de estratégias de combate, voltadas para a “guerra contra o crime”, frequentemente coloca a vida de moradores de periferias em risco, especialmente os jovens negros. Nesses ambientes, a presença da polícia muitas vezes não é vista como um símbolo de segurança, mas como uma fonte de ameaça. A letalidade policial nessas regiões se transforma em uma constante, em um ciclo de repressão e violência que contribui para a perpetuação de uma cultura de medo e desconfiança.
As violações dos direitos humanos cometidas por agentes do Estado se conectam diretamente a um histórico de exclusão social e racismo estrutural. As forças policiais, muitas vezes, reproduzem esse sistema de opressão, que marginaliza e criminaliza aqueles que pertencem aos grupos vulneráveis, tratando-os como inimigos do Estado. Para além da questão racial, o fator socioeconômico é determinante: as vítimas mais frequentes de violência policial são, em sua grande maioria, pessoas pobres e residentes de áreas marginalizadas, que enfrentam barreiras institucionais ao acesso à justiça e à cidadania plena.
A impunidade também desempenha um papel crucial na manutenção desse ciclo de violência. Casos como o de Vavá, em que não há respostas sobre o paradeiro da vítima, são exemplo claro de como o sistema de segurança e justiça, muitas vezes, falha em responsabilizar os envolvidos. A falta de investigações efetivas, a ausência de transparência e a seletividade judicial contribuem para a perpetuação das práticas abusivas e para a descrença da população nas instituições que deveriam protegê-la. Assim, a violência policial torna-se uma ferramenta de controle social, sobretudo contra os mais vulneráveis, consolidando a exclusão e a desigualdade no Brasil.
É fundamental que o Estado brasileiro promova uma profunda reformulação das políticas de segurança pública e capacite suas forças policiais para lidar de maneira mais eficiente e humana com grupos vulneráveis, especialmente com pessoas que sofrem de transtornos mentais. A adoção de práticas que respeitem os direitos humanos, aliadas a uma política de combate à discriminação racial e social, é essencial para romper com o ciclo de violência e garantir que casos como o de Vavá não se repitam. A sociedade brasileira, por sua vez, deve continuar a exigir respostas e responsabilizações para que a violência policial não seja normalizada, mas combatida e superada.