A Dívida Pública e o heroico povo brasileiro

Detalhe do Cartaz do 18o. Grito dos Excluídos, com ilustração de Francisco Daniel
Brasil de sonho intenso, do povo heroico, do brado retumbante!
Da terra adorada, onde os nossos bosques tem mais vida.
Nossas vidas em teu seio mais amor
A paráfrase do Hino Nacional estabelece o mote deste artigo para definir esse eterno guerreiro: o brasileiro. Esse povo jus sanguinis e jus soli sofre a síndrome de sentimentos antagônicos sociais, ora de orgulho de nossas inegáveis belezas, pelo país maravilhoso que é gigante pela própria natureza, ora por ódio dos rumos tomados por alguns políticos que acabam por assassinar os direitos mais fundamentais da nossa gente.
É verdade que “Já raiou o sol da Liberdade”, o que não representa uma licença para a libertinagem. Liberdade para sermos quem temos que ser, não para fazermos o tudo o que queremos. Afinal, um dos mais democráticos de todos os princípios é o aclamado Due Process of Law, em bom Português, Devido Processo Legal.
Com esse olhar ufanista, passo a analisar o gráfico da dívida pública federal, o qual apresenta dados expressos da subtração dos recursos públicos em larga escala no setor financeiro e no sistema da dívida. No entanto, negativo na prestação de serviços públicos direcionados à população, o que deflagra a ilegitimidade e, porque não se dizer, inconstitucionalidade do aparato estatal, já que a Magna Carta definiu a pessoa humana como seu maior bem jurídico protegido.

E antes que alguém diga que não há remédio para este cenário trágico e o “poço fundo” que parece dragar o heroico povo brasileiro, podemos citar o exemplo do Equador. Nosso vizinho latino, em 2007, realizou Auditoria Integral da dívida pública e, com apoio da sociedade civil nacional e internacional, permitiu identificação de várias ilegalidades, ilegitimidades e fraudes, conscientizando a população. Tudo isso resultou em um maciço apoio político, sobretudo com o abatimento de aproximadamente 70% da dívida externa, mediante a compensação de títulos que estavam em poder dos bancos privados internacionais. Com isso, foi possível aumentar os investimentos sociais, impulsionando o desenvolvimento socioeconômico do país!
Retornando ao cenário brasileiro, “no berço esplêndido”, até quando seremos solidários ao permitir que nossos representantes priorizem o pagamento da dívida pública? Afinal, é essa prática que mantém a ilegitimidade da transformação de passivos de bancos em dívida dos Estados, com aplicação de juros abusivos, como a elevação da taxa da Selic que, a cada 1% de aumento, gera gastos de 40,1 bilhões com juros anuais, conforme tabela disponível na página do Banco Central.
Em março de 2021, o Banco Central subiu a taxa Selic em quase 12% que corresponde a um rombo de R$ 471 bilhões por ano. O orçamento Federal executado, pago, em 2022 foi de R$4,060 trilhões e a “fatia da Pizza” que corresponde a 1,879 trilhões foi destinada aos juros e à amortização da dívida. Na verdade, 46,30%, quase a metade do orçamento, estão comprometidos com a falta de transparência, publicidade e da legalidade da aplicação do fluxo de arrecadação.
A perspectiva de crescimento descontrolado e acelerado da dívida nos permite impugnar, com senso de urgência, a falta de limites das taxas de juros, impondo-se necessária a aprovação do PLP 104/2022. Reitero. A omissão, a inércia do poder público é a responsável pelos efeitos fiscais graves ao longo do tempo, pois se os limites do endividamento da União não estivessem sido entendidos como prementes e essenciais, o Poder Constituinte Originário não teria inserido o art. 26 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, o prazo para a realização de auditoria através de comissão mista para o exame analítico e pericial do endividamento brasileiro.
Ademais, os constituintes de 1988 trataram de definir a distribuição das competências especificas e suas particularidades entre os entes da federação. Impõe o art. 48, II, da CF/88, a competência do Congresso Nacional em dispor especialmente sobre a dívida pública, em termos gerais.
Essa omissão legislativa e a efetiva ausência de instrumentos de controle alimentam a política de austeridade fiscal e acabam maquiando os privilégios da dívida pública. Como exemplo desse movimento, pode-se destacar o esquema de securitização dos créditos da dívida pública, a meu ver, nocivo e inconstitucional. Essa e outras manobras inviabilizam a aplicabilidade dos postulados e princípios que regem a Lei Fundamental.
Já dizia Karl Marx:
“A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.” Enfim… “Os tempos de submissão e escravidão dos povos terminam quando o conhecimento se converte numa ferramenta de luta social.”