23/12/2024

Obsessão por riqueza está fomentando ansiedade e depressão, afirma relator especial da ONU

Olivier De Schutter enfatizou que os pobres são os mais afetados e têm três vezes mais riscos de enfrentar problemas de saúde mental; ele apontou a precarização do trabalho, especialmente para trabalhadores de aplicativos e plataformas digitais, como uma grande fonte de doenças mentais.

A obsessão com o crescimento da economia está causando uma “pandemia de saúde mental” que afeta desproporcionalmente as pessoas mais pobres. A conclusão é do relator especial da ONU sobre Pobreza e Direitos Humanos, autor do relatório “Economia do Burnout: Pobreza e Saúde Mental”.

Para Olivier De Schutter, a busca desenfreada pelo aumento do Produto Interno Bruto, PIB, gera escolhas políticas que tornam as sociedades mais desiguais.

“PIB não é varinha mágica”

Em entrevista à ONU News, em Nova Iorque, ele disse que essa lógica também é nociva aos trabalhadores, que sofrem cada vez mais com ansiedade e depressão.

Segundo o especialista, “as desigualdades estão enlouquecendo as pessoas”, pois causam a chamada “ansiedade por status”. Segundo o especialista, quanto mais desigual é uma sociedade, mais as pessoas da classe média temem cair na pobreza e com isso desenvolvem quadros de estresse, depressão e ansiedade.

O relator defende que é preciso “parar de pensar que o crescimento econômico, aumentando o PIB, é a varinha mágica que resolverá o problema da pobreza”. Para ele, a busca por este crescimento está “aumentando o fosso entre ricos e pobres”, resultando em problemas de saúde e no medo de ficar para trás.

Um canal poluído flui através de uma favela nos arredores de Dhaka, capital de Bangladesh
© Unicef/Farhana Satu
Um canal poluído flui através de uma favela nos arredores de Dhaka, capital de Bangladesh

24 horas por dia, 7 dias por semana, trabalhadores de aplicativos

Sobre a precarização do trabalho, De Schutter afirma que o fator de risco mais importante hoje é “uma economia que funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, na qual os trabalhadores devem estar basicamente disponíveis sob demanda”.

Essa lógica resulta em horários muito variáveis de trabalho, o que torna muito difícil manter um equilíbrio adequado entre a vida familiar e a vida profissional. Segundo ele, essa incerteza constante sobre os horários e a carga de trabalho, representa uma “grande fonte de depressão e ansiedade”.

O relator especial afirmou que essa realidade afeta especialmente os trabalhadores de aplicativos e plataformas digitais, mas adicionou que o fenômeno se estende a muitas indústrias no mundo.

Ansiedade climática

Ele adicionou que a crise climática é uma outra grande fonte de ansiedade. O relatório cita estudos sobre como as perturbações geradas por inundações, secas e aumento da temperatura arrasam os meios de subsistência dos quais muitos agricultores e povos indígenas dependem.

Segundo De Schutter, cerca de 400 milhões de pessoas no mundo precisam das florestas ou dos recursos naturais para se sustentar e estão testemunhando o “desmoronamento do mundo natural”. De acordo com ele, em alguns contextos isso está causando elevadas taxas de suicídio.

Os dados do relatório indicam que cerca de 11% da população mundial sofre com doenças mentais. De Schutter acredita que os números continuarão a aumentar. Espera-se que no futuro um em cada dois adultos tenha problemas de saúde mental durante a vida.

No entanto, ele ressaltou que as pessoas em situação de pobreza têm três vezes mais riscos de enfrentar depressão e ansiedade.

Cerca de 7% da população global ainda pode viver na pobreza até 2030
© Unicef/Giacomo Pirozzi
Cerca de 7% da população global ainda pode viver na pobreza até 2030

População em situação de rua

O relator especial destacou a existência de um círculo vicioso entre pobreza e saúde mental, pois uma pessoa que enfrenta depressão e ansiedade, é muito mais difícil continuar trabalhando ou procurar emprego.

Ele citou a população em situação de rua, que muitas vezes estão sujeitas a problemas de saúde mental e cortam os laços com a família, com os amigos, pois têm vergonha da sua condição.

A estigmatização e a falta de redes de solidariedade podem agravar a sua situação de pobreza e potencialmente a falta de abrigo.

Renda básica universal

De Schutter argumenta que algumas das transformações necessárias incluem apoiar a economia social e solidária, preservar bens comuns e reformar o mundo do trabalho para proteger o bem-estar.

O relator especial defende ainda uma renda básica universal, um valor mínimo que todos teriam direito a receber sem quaisquer condicionalidades, para que estivessem livres da ameaça da pobreza.

Ele afirmou que irá trabalhar em conjunto com um grande número de ONGs, sindicatos, movimentos sociais e especialistas acadêmicos para conceber uma alternativa ao crescimento como meio de erradicar a pobreza. Este plano de ação será apresentado no final de 2025.