14/03/2025

As medidas de Milei e os protestos pelas ruas de Buenos Aires

A Argentina vive um dos momentos mais conturbados de sua história recente, com uma onda de protestos massivos tomando as ruas das principais cidades do país. Os manifestantes, em sua maioria ligados a sindicatos, movimentos sociais e partidos de oposição, expressam seu descontentamento com as políticas econômicas e sociais do governo de Javier Milei, eleito em 2023 sob a promessa de uma revolução liberal e de um choque de austeridade para revitalizar a economia argentina. No entanto, a postura intransigente do presidente diante dos opositores e a escalada da repressão policial têm acirrado os ânimos, colocando o país à beira de uma crise política de proporções históricas.

Desde o início de seu mandato, Milei, um economista libertário e outsider político, implementou uma série de medidas radicais para reduzir o déficit fiscal, controlar a inflação e liberalizar a economia. Entre as principais ações estão cortes profundos nos gastos públicos, a privatização de empresas estatais, a desregulamentação de setores estratégicos e a flexibilização das leis trabalhistas. Embora essas medidas tenham sido celebradas por setores do mercado financeiro e por parte da população que ansiava por mudanças, elas também geraram um impacto social imediato, com aumento do desemprego, redução de subsídios e precarização dos serviços públicos.

A gota d’água para os protestos foi o anúncio, no início de março, de uma reforma previdenciária que eleva a idade mínima para aposentadoria e reduz os benefícios para os trabalhadores. A medida, considerada necessária pelo governo para equilibrar as contas públicas, foi recebida com indignação por amplos setores da sociedade, que a veem como um ataque aos direitos sociais conquistados ao longo de décadas. Nas últimas semanas, milhares de pessoas têm se mobilizado em marchas, greves e ocupações, paralisando setores-chave da economia e exigindo a revogação das reformas.

Diante da crescente mobilização popular, a resposta do governo Milei tem sido marcada por um tom de confronto e intransigência. Em pronunciamentos públicos, o presidente tem classificado os manifestantes como “inimigos do progresso” e “defensores de privilégios”, acusando-os de sabotar suas reformas em benefício próprio. Milei, que se autointitula um “libertário radical”, defende que as medidas adotadas são dolorosas, mas necessárias para libertar a Argentina do que ele chama de “estatismo populista” que, segundo ele, levou o país à decadência econômica.

No entanto, a retórica agressiva do presidente tem sido acompanhada por ações concretas que preocupam observadores políticos e organizações de direitos humanos. O governo tem mobilizado forças policiais e de segurança em massa para reprimir os protestos, resultando em confrontos violentos, centenas de detenções e denúncias de abusos de autoridade. Em um episódio emblemático, ocorrido na semana passada em frente ao Congresso Nacional, a polícia utilizou gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar manifestantes, deixando dezenas de feridos.

A postura de Milei tem sido comparada por analistas a governos autoritários da região, que utilizaram a força bruta para silenciar a oposição. “O governo está adotando uma estratégia perigosa, que pode levar a uma escalada de violência e a um aprofundamento da polarização política”, alertou María Laura Fernández, cientista política da Universidade de Buenos Aires. “Ao criminalizar os protestos, Milei corre o risco de isolar-se ainda mais e perder o apoio de setores moderados que inicialmente simpatizavam com seu discurso de mudança.”

A oposição política, liderada pelo Partido Justicialista (Peronista) e por partidos de esquerda, tem capitalizado o descontentamento popular para pressionar o governo. Líderes opositores, como Alberto Fernández e Cristina Kirchner, têm participado ativamente dos protestos, chamando a população a resistir ao que chamam de “ajuste neoliberal”. Além disso, sindicatos poderosos, como a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), têm convocado greves gerais que paralisam setores como transporte, educação e saúde.

A sociedade civil também tem se mobilizado de forma significativa. Organizações de direitos humanos, como as Mães da Praça de Maio, têm denunciado a repressão policial e exigido o respeito ao direito de manifestação. Já movimentos sociais, como o Movimento de Trabalhadores Desempregados (MTD), têm organizado ocupações de prédios públicos e bloqueios de rodovias como forma de pressionar o governo.

O clima de tensão e a radicalização do discurso político levantam preocupações sobre o futuro da democracia argentina. Analistas alertam que, se o governo continuar a adotar uma postura intransigente e repressiva, o país pode entrar em um ciclo de violência e instabilidade política sem precedentes. “Estamos diante de um teste crucial para as instituições democráticas”, afirmou Roberto Gargarella, constitucionalista e professor da Universidade de Buenos Aires. “A capacidade do governo de dialogar com a oposição e de encontrar soluções negociadas será determinante para evitar uma crise ainda maior.”

Por outro lado, alguns setores defendem que as reformas de Milei, embora impopulares, são necessárias para corrigir distorções históricas e colocar a Argentina em um caminho de crescimento sustentável. “O país viveu décadas de populismo e irresponsabilidade fiscal. As medidas de Milei são duras, mas podem ser a única saída para evitar um colapso econômico”, argumentou Eduardo Levy Yeyati, economista e reitor da Escola de Governo da Universidade Torcuato Di Tella.

Enquanto os protestos continuam a crescer e a repressão se intensifica, a Argentina se encontra em uma encruzilhada. De um lado, um governo determinado a implementar reformas radicais, mesmo que ao custo de sua popularidade e da estabilidade social. De outro, uma oposição mobilizada e uma sociedade civil que resiste às mudanças, temendo o aprofundamento da desigualdade e a perda de direitos conquistados. O desfecho dessa crise dependerá, em grande medida, da capacidade de ambos os lados de encontrar um ponto de equilíbrio que permita ao país avançar sem sacrificar sua democracia e seu tecido social.