12/03/2025

Charles III desponta como grande líder internacional

Em um mundo onde a política internacional é frequentemente dominada por retóricas inflamadas e polarizações espetaculares, a ascensão de Sua Majestade, o Rei Charles III, ao trono britânico apresenta um contraponto deliberadamente sóbrio. Em meio a tensões geopolíticas renovadas entre o ex-presidente Donald Trump e a Europa — marcadas por divergências sobre apoio à Ucrânia, comércio e alinhamentos estratégicos —, o monarca emerge não como um protagonista de discursos grandiloquentes, mas como um arquiteto de pontes invisíveis, cuja diplomacia silenciosa desafia a efemeridade das manchetes.

A relação entre os Estados Unidos e a Europa, alicerce da ordem ocidental pós-1945, enfrenta sua mais aguda crise de identidade em décadas. A perspectiva de um retorno de Trump à Casa Branca em 2024 reacendeu antigas feridas: suas críticas à OTAN, seu ceticismo em relação ao apoio militar a Kiev e sua admiração por líderes autocráticos reconfiguram o tabuleiro estratégico. Enquanto Bruxelas tenta reafirmar a autonomia europeia diante de incertezas americanas, o Reino Unido, pós-Brexit, navega um duplo desafio: reconstruir laços com o continente sem alienar seu histórico aliado transatlântico.

Nesse cenário delicado, onde gestos simbólicos carregam o peso de tratados, Charles III assume um papel que transcende a mera figuração constitucional. Herdeiro de uma tradição monárquica que, desde Elizabeth I, equilibra cerimônia e realpolitik, o rei parece consciente de que, em tempos de ruído, o silêncio pode ser uma estratégia.

Diferentemente de seus predecessores imediatos, cujas intervenções públicas eram medidas em gotas, Charles III traz consigo uma bagagem singular. Por décadas como Príncipe de Gales, ele cultivou redes globais em áreas como sustentabilidade, diálogo inter-religioso e preservação cultural — temas que, à primeira vista, parecem distantes das trincheiras da geopolítica. No entanto, é precisamente nesses nichos que sua influência se revela astuta.

Em setembro de 2023, durante uma visita de Estado à França, cancelada meses antes devido a protestos sociais, o rei optou por um discurso na Assembleia Nacional que evitou menções diretas às turbulências Trump-Europa. Em vez disso, celebrou a “aliança de valores” franco-britânica, citando desde a Carta Magna até os ideais iluministas, e enfatizou a “resiliência das democracias em tempos de provação”. Para analistas como Timothy Garton Ash, historiador de Oxford, “foi um exercício magistral de metadiplomacia: usar o passado para iluminar escolhas presentes, sem citar nomes ou crises”.

Seu recente encontro com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, no Castelo de Windsor, seguiu a mesma cartilha. Enquanto líderes ocidentais disputam quem oferece mais armas ou recursos, Charles limitou-se a destacar a “coragem cultural” da Ucrânia, presenteando Zelensky com uma edição rara da Constituição de Pylyp Orlyk, de 1710 — um gesto que ecoa tanto apoio moral quanto uma sutil crítica à erosão democrática global.

O desafio mais delicado, porém, reside na relação com os EUA. Enquanto o primeiro-ministro Rishi Sunak evita confrontar a retórica trumpista para proteger acordos comerciais pós-Brexit, o rei opera em outra esfera. Durante o funeral de Elizabeth II, em 2022, seu breve encontro com Trump — então candidato à reeleição — foi descrito por assessores como “protocolar, mas impregnado de discrição calculada”.

Fontes próximas ao Palácio Real sugerem que Charles evita comentários públicos sobre a polarização americana, mas, em círculos privados, defende a “diplomacia das instituições perenes” como antídoto ao populismo efêmero. Seu apoio contínuo à Commonwealth, organização que reúne 56 nações, muitas delas ex-colônias, reflete essa visão: um fórum alternativo de cooperação, menos sujeito aos ventos voláteis da política eleitoral.

Aqui reside o paradoxo de seu reinado. Charles III é, ao mesmo tempo, o guardião de uma instituição milenar e um reformador discreto. Herdou de sua mãe, Elizabeth II, a crença inabalável no poder simbólico da monarquia, mas diverge na abordagem. Enquanto ela personificava a neutralidade absoluta — “nunca deixou transparecer uma opinião pessoal em 70 anos de reinado”, lembra o biógrafo Robert Hardman —, ele, ainda que mantendo os limites constitucionais, permite que suas causas pessoais informem sua agenda.

Essa nuance é crucial. Seus discursos sobre mudança climática, por exemplo, já irritaram setores conservadores britânicos e aliados de Trump, que os veem como “ativismo camuflado”. No entanto, ao vincular tais questões a argumentos econômicos — como em seu recente apelo por “uma nova Revolução Industrial verde” durante a COP28 —, ele as eleva ao âmbito estratégico, onde interesses nacionais e globais convergem.

No continente, as reações à sua diplomacia são bifacetadas. Líderes europeus, especialmente na França e na Alemanha, veem nele um parceiro potencial para reaquecer laços com o Reino Unido, deteriorados após o Brexit. Emmanuel Macron, em particular, investe em gestos grandiosos — como a condecoração de Charles com a Ordem Nacional da Legião de Honra — para sinalizar reaproximação.

Contudo, há reticências. A sombra do Brexit ainda paira, e alguns diplomatas em Bruxelas questionam até que ponto um monarca, mesmo popular, pode compensar as divisões políticas concretas. “A monarquia britânica é um ativo soft power inegável”, pondera Nicole Koenig, do Instituto Jacques Delors, “mas, sem acordos comerciais ou alinhamento regulatório, a poesia do simbolismo não substitui a prosa das relações institucionais”.

Para Charles III, o tempo é tanto aliado quanto adversário. Aos 75 anos, ele é o monarca mais velho a assumir o trono britânico, e sua agenda é atravessada por uma sensação de urgência. Seus projetos — da expansão dos programas juvenis da Commonwealth à criação de um “conselho de sabedoria global” com líderes religiosos e acadêmicos — sugerem uma busca por consolidar pontes antes que as tempestades políticas as destruam.

Mas, em um mundo onde líderes populistas desdenham do multilateralismo e a atenção pública é cativa de ciclos noticiosos frenéticos, há espaço para uma diplomacia que privilegia a sutileza sobre o estrondo? A resposta pode estar em lições históricas. Como lembra Margaret MacMillan, historiadora da Universidade de Oxford, “figuras como Gustav Stresemann ou Dag Hammarskjöld moldaram o século XX não através de discursos, mas de ações meticulosas e diálogos invisíveis”.

Nesse sentido, Charles III parece menos um anacronismo e mais um herdeiro dessa linhagem discreta. Seu reinado, ainda em gestação, propõe um experimento audacioso: em tempos de crise, talvez o silêncio estratégico, carregado de gestos ponderados e alianças paciente tecidas, possa falar mais alto que tuítes furiosos ou ultimatos em redes sociais.

Enquanto Trump promete “retribuir” à Europa em comícios inflamados, e Bruxelas debate se deve se preparar para um “Mundo 2.0” sem garantias americanas, Charles III segue seu curso. Em abril de 2024, visitará a Alemanha para uma série de encontros sobre tecnologia sustentável — agenda aparentemente técnica, mas que, para ele, encapsula a fusão entre tradição e inovação.

Sua aposta é que, em um século XXI fragmentado, a relevância das monarquias não está em seu poder, mas em sua permanência. Ao personificar uma instituição que já testemunhou guerras, impérios e revoluções, ele oferece aos líderes contemporâneos um lembrete silencioso: a política é fugaz, mas a história é longa. E, às vezes, é nos interstícios do silêncio que se constroem as resoluções mais duráveis.