13/03/2025

A pessoalidade como variante da eficácia corporativa

O aprofundamento no conceito de pessoalidade denota à ideia de que os atos administrativos ou empresariais devem ser atribuídos a pessoas específicas, sejam elas físicas ou jurídicas, responsáveis por sua execução, gestão e consequências. Muito mais do que um simples estudo abstrato, esse fundamento, na verdade, configura-se em um princípio, o qual assegura que há um reconhecimento claro de responsabilidade e autoridade, possibilitando uma gestão e governança – seja pública ou corporativa – pautada na transparência e plena auditabilidade.

Nesse sentido, é cediço que a pessoalidade possa ser efetivamente compreendida como um princípio fundamental tanto no Direito Administrativo quanto no Direito Empresarial, sendo origem axiológica para diversas práticas e normas que governam as relações entre as partes envolvidas em processos administrativos e empresariais.

Dentro do Direito Administrativo, a pessoalidade é um dos pilares que garantem a legitimidade da atuação dos agentes públicos. Este princípio ressalta que os atos administrativos são praticados por agentes públicos identificáveis, que assumem a responsabilidade por suas ações no exercício de suas funções. A pessoalidade, nesse contexto, está intimamente relacionada com a ideia de accountability, ou seja, a obrigação de prestar contas.

Dentro desse diapasão, é possível afirmar que a pessoalidade se manifesta na nomeação de servidores públicos para cargos e funções específicas, assegurando que cada agente tenha atribuições delimitadas, conhecidas e previstas, positivamente, no ordenamento jurídico, sob pena de ilegalidade. Por isso, em casos de desvios ou ilegalidades, a identificação do agente responsável é facilitada, permitindo a aplicação de sanções apropriadas e justas.

A pessoalidade, portanto, contribui para a transparência administrativa, uma vez que os atos são atribuídos a indivíduos específicos, facilitando o controle e a fiscalização por parte de órgãos internos e externos.

No âmbito do Direito Empresarial, a pessoalidade desempenha um papel crucial na estrutura e funcionamento das empresas. Ela assegura que as responsabilidades e competências dentro da organização sejam atribuídas a pessoas específicas, promovendo uma gestão mais eficiente e alinhada aos objetivos corporativos.

Em linha com esse entendimento, é possível vislumbrar que a pessoalidade é fundamental na definição clara de papéis e responsabilidades dentro da empresa. Cada cargo ou função tem um responsável claramente identificado, o que melhora a eficiência e evita conflitos de competência.

Além disso, a atribuição clara de responsabilidades facilita a gestão de riscos, permitindo que a empresa tome medidas preventivas e corretivas de forma mais eficaz, evitando-se desgastes e, principalmente, o dispêndio temporal com procedimentos não importantes para o futuro da operação.

Por derradeiro, é imperioso mencionar que a pessoalidade está diretamente ligada às práticas de governança corporativa. Ela garante que as decisões empresariais sejam tomadas por indivíduos ou comitês devidamente designados e qualificados, promovendo a integridade e a ética nos negócios, em consonância com as mais contemporâneas práticas empresariais.

Em outro espectro de análise, embora o Direito Administrativo e o Direito Empresarial pertençam a ramos distintos, o princípio da pessoalidade é transversal e essencial para ambos. No primeiro, ele está voltado para a administração pública, garantindo que os atos sejam realizados por agentes identificáveis e responsáveis. No segundo, ele se aplica à gestão interna das empresas, assegurando uma distribuição clara e eficiente de responsabilidades.

De maneira geral, a pessoalidade promove a eficiência, a transparência e a responsabilidade, valores imprescindíveis tanto na administração pública quanto na gestão empresarial. Por meio desse princípio, é possível garantir que cada ação seja atribuída a um agente ou órgão específico, facilitando assim o controle, a fiscalização e a prestação de contas.

Prosseguindo na abordagem, não se pode dissecar a análise sobre a pessoalidade sem o aprofundamento sobre seu antônimo: a impessoalidade. Tão importante quanto a primeira, pousam sobre a impessoalidade um série de conceitos e decorrentes principiológicas, inclusive constitucionais, que merecem especial destaque.

O princípio da impessoalidade é um conceito transversal que permeia diversas áreas do conhecimento humano, incluindo Filosofia, Sociologia e Direito. Este princípio, essencial tanto para a administração pública quanto para as relações empresariais, sustenta que as ações, decisões e políticas devem ser tomadas de forma imparcial, sem favoritismos ou preconceitos, visando ao bem comum e à justiça.

A impessoalidade, na Filosofia, está associada à ideia de neutralidade moral e imparcialidade. Filósofos como Immanuel Kant, John Rawls e Hannah Arendt contribuíram significativamente para a compreensão deste conceito, sendo imperiosa uma pequena imersão na obra de cada um deles, justamente para que possamos adentrar à hipótese levantada neste estudo.

Immanuel Kant, em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, argumenta que a moralidade deve ser baseada em princípios universais, aplicáveis a todos, independentemente de circunstâncias particulares. Este ideal de universalidade implica uma abordagem impessoal da moralidade, onde as ações são julgadas não pela pessoa que as realiza, mas pela conformidade com um dever racionalmente determinado.

Em outra linha, John Rawls, em Uma Teoria da Justiça, propõe o véu da ignorância, um exercício mental em que os indivíduos tomam decisões sobre a estrutura da sociedade sem conhecimento prévio de sua posição nela. Este exercício garante que as decisões sejam impessoais e justas, beneficiando a sociedade como um todo. A impessoalidade, em Rawls, é crucial para a justiça distributiva, evitando discrepâncias configuradas por privilégios e discriminações.

Hannah Arendt, em A Condição Humana, discute a impessoalidade no contexto da ação política. Para Arendt, a esfera pública deve ser um espaço onde os indivíduos possam interagir de maneira imparcial e igualitária, sem que suas identidades pessoais interfiram nas decisões coletivas. A impessoalidade é, portanto, um requisito para a verdadeira deliberação democrática, em posição diametralmente antagônica aos desmandos tiranos, os quais contém a personalidade do ditador sobrepondo-se aos interesses da coletividade.

Além da Filosofia, a Sociologia também aborda a impessoalidade, especialmente no estudo das instituições sociais e das relações de poder. Sociólogos como Max Weber e Émile Durkheim forneceram importantes insights sobre este princípio, os quais merecem ser mencionados e superficialmente discutidos, para o enriquecimento da temática ventilada.

Weber, em sua análise da Burocracia, destaca a impessoalidade como uma característica fundamental das organizações racionais-legais. A burocracia weberiana é estruturada em torno de regras e procedimentos impessoais, que asseguram a eficiência e a previsibilidade das atividades administrativas. A impessoalidade aqui é vista como um meio de evitar o nepotismo e a arbitrariedade, promovendo uma governança justa e eficiente.

Émile Durkheim, por sua vez, explora a impessoalidade no contexto da solidariedade social. Em A Divisão do Trabalho Social, ele descreve a transição da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica, onde as relações sociais se tornam mais impessoais e baseadas em funções especializadas. A impessoalidade, neste sentido, é essencial para a coesão social em sociedades complexas, onde o indivíduo deve confiar em instituições e normas impessoais para garantir a ordem e a estabilidade.

Dentro do universo do Direito, a impessoalidade é um princípio constitucional e administrativo, insculpido para assegurar a equidade e a justiça nas ações do Estado e das empresas. Este princípio é crucial para a legitimidade e a confiança nas instituições legais e governamentais, sendo o escopo legal para que se locuplete a grande máxima jurídica da Supremacia do Interesse Público.

No contexto da administração pública, a impessoalidade garante que os atos administrativos sejam realizados sem favoritismos ou preconceitos. Este princípio está consagrado na Constituição Federal de 1988, que estabelece que a administração pública deve seguir os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput). A impessoalidade assegura que as decisões sejam tomadas com base no interesse público, promovendo a transparência e a accountability.

No Direito Empresarial, a impessoalidade é igualmente relevante. Ela assegura que as decisões corporativas sejam tomadas de maneira justa e equitativa, sem influências pessoais indevidas. Este princípio é fundamental para a governança corporativa, promovendo a integridade e a responsabilidade nas operações empresariais. A impessoalidade na gestão de empresas evita conflitos de interesse e garante que as ações estejam alinhadas com os objetivos estratégicos e a sustentabilidade a longo prazo.

Por tudo isso, é possível denotar que a impessoalidade é um princípio multifacetado que atravessa as fronteiras da Filosofia, Sociologia e Direito. Na Filosofia, ela está associada à ética e à justiça; na Sociologia, à coesão social e à eficiência organizacional; e no Direito, à transparência e à equidade nas administrações pública e empresarial. Este princípio fundamental promove a justiça, a eficiência e a responsabilidade, valores essenciais para o funcionamento harmonioso das sociedades modernas. Ao garantir que as ações sejam realizadas de maneira imparcial e justa, a impessoalidade contribui para a legitimidade e a confiança nas instituições, refletindo um compromisso com o bem comum e a integridade moral.

Dentro desse viés, após tomadas epistemologicamente pessoalidade e impessoalidade, insta analisar a proporcionalidade entre as mesmas, como premissa de identificação do equilíbrio ideal, a ser observado administrativamente, seja no âmbito público, ou na esfera privada, salvaguardadas as proporções e limites de cada uma dessas searas.

Durante muito tempo, uma gestão impessoal purista foi considerada de excelência, justamente por eliminar privilégios tratar todos os usuários, clientes ou consumidores de forma uníssona, em um verdadeiro processo de “maquinificação” das pessoas. A constante busca por padrões de qualidade acabou por atrelar o atendimento massificado ao conceito de eficaz, contribuindo-se, sobremaneira, para uma postura mais fria e, por não se dizer, insensível dos atores corporativos para com seus destinatários diretos. No entanto, essa tendência sofreu – e vem sofrendo cada vez mais – uma drástica mudança, principalmente com o surgimento do conceito de segmentação de clientela. Dentro dessa nova ideia, os melhores clientes passam a fruir de um atendimento mais dedicado, atento, humanizado e, portanto, pautado pela pessoalidade, em oposição aos valores até então cultuados.

É possível inferir que o ápice da impessoalidade – e, portanto, o princípio de seu declínio – veio com a introdução da inteligência artificial no quotidiano das pessoas normais. Tantos os assistentes pessoais incrustados dentro dos smartphones quanto os mais contemporâneos bots tentam dar ao atendimento totalmente impessoal uma esfera de pessoalidade, todavia mitigada pela artificialidade inerente ao seu próprio protocolo. Dentro desse viés, o mercado que tendenciava para o diálogo mais profissional, objetivo e, por isso, impessoal, acabou alterando seu eixo e destinando – principalmente para o público vip – uma experiência de regresso aos tempos do contato físico, humanizado e pessoal, em oposição diametral às ferramentas artificiais.

Como é de cognição geral, as primeiras grandes empresas que adentraram a essa compreensão de atendimento foram as instituições financeiras em geral, as quais passaram a segmentar seus clientes. Nos seguimentos premium, o grande diferencial do atendimento é exatamente a pessoalidade. Enquanto a clientela do varejo comum é atendida de forma cada vez mais eletrônica, muitas vezes, até mesmo pela internet ou aplicativos, os vips retomam as visitas presenciais às agências, as quais oferecem espaços diferenciados, horários estendidos e, até, versões hodiernas e mais elaboradas do famoso e irresistível “cafezinho”, ao redor do qual muitos negócios importantes foram celebrados.

Essa tendência se espalha em todos os ramos empresariais, seja na comercialização de produtos ou prestação de serviços. Na Advocacia, por exemplo, o conceito de escritórios artesanais vem ganhando cada vez mais novos adeptos, justamente pela aplicabilidade desse conceito. Um atendimento mais personalizado e humanizado é, na verdade, o grande contraponto aos movimentos de massificação tão comuns nos dias de hoje. Relatando uma experiência própria, no Complexo Jurídico Prof. Dr. Marcelo Henrique praticamos um atendimento segmentado, com a prestação de serviços de advocacia, assessoria e consultoria jurídica direcionado a grandes demandas, mas também, seguindo o conceito artesanal de atendimento, de acordo com a demanda e a necessidade do cliente.

Portanto, a pessoalidade – requisito legal para a assunção da responsabilidade – porém sempre acompanhada pela impessoalidade – premissa de eficácia e transparência no atendimento – merece uma reflexão sob outra ótica. Em um mundo onde as máquinas tentam, artificialmente, até mesmo se equiparar à inteligência humana, a pessoalidade passa a despontar como grande diferencial de atendimento, passando o ser referência de eficácia no ambiente corporativo.