Mudanças na Constituição da Nicarágua com poderes ilimitados a presidente preocupam
Alerta foi feito por especialistas em direitos humanos; emenda adotada pela Assembleia Nacional estende mandato de Daniel Ortega para seis anos e eleva papel de vice-presidente para copresidente, cargo ocupado pela mulher dele, Rosario Murillo.
O Grupo de Peritos em Direitos Humanos das Nações Unidas* expressou “profunda preocupação” com uma emenda constitucional, adotada na semana passada pela Nicarágua.
Em comunicado, emitido na segunda-feira, o Grupo afirma que as mudanças conferem poderes ilimitados ao atual presidente do país, Daniel Ortega, e à esposa dele, Rosario Murillo, vice-presidente da Nicarágua e que passará agora a copresidente da nação centro-americana.
Acaba proibição de censura à imprensa
A emenda adotada pela Assembleia Nacional em 22 de novembro aumenta o mandato presidencial de cinco para seis anos e acaba com a proibição de censura à imprensa, o que era garantido pela carta magna nicaraguense.
Além disso, a partir de agora direitos fundamentais podem ser suspensos durante um estado de emergência. Outra novidade é o limite permitido para envolvimento do exército em temas de políticas domésticas. Se o governo alegar ameaças à estabilidade do Estado, os militares poderão fazer uma intervenção a pedido do presidente.
Linguagem vaga e tentativa de controlar poderes
Daniel Ortega retornou ao poder em 2007 na Nicarágua e desde então já realizou 12 reformas constitucionais. Para o presidente do Grupo de Peritos, Jan-Michael Simon, o governo estaria tentando legalizar e consolidar o controle de um poder irrestrito.
Segundo ele, a reforma utiliza uma linguagem vaga e formaliza o que já existe de facto: o fim da separação entre os poderes. O novo texto não menciona mais a palavra poderes, mas apenas órgãos que seriam “coordenados” pela presidência.
As propostas também eliminam a referência explícita ao pluralismo político, uma crítica que já havia sido feita, na semana passada, pelo alto comissário de Direitos Humanos da ONU, Volker Turk.
Segundo ele, a medida está relacionada às eleições de 2026. Outra preocupação da ONU é a suspensão do direito individual à cidadania nicaraguense.
Direitos cancelados, confisco e suspensão da cidadania
Desde 2023, 546 pessoas perderam a nacionalidade e ficaram apátridas.
Algumas tiveram suas propriedades e direitos à aposentadoria ou reforma cancelados.
No comunicado desta segunda-feira, o Grupo de Peritos da ONU pediu à comunidade internacional que inste ao governo da Nicarágua a restaurar, imediatamente, a separação de poderes e outros princípios democráticos além de cumprir suas obrigações internacionais.
Respeito à dignidade humana e censura a jornalistas
Para os especialistas, após virtualmente erradicar o jornalismo independente na Nicarágua, o governo agora remove a proibição da censura de canais de mídia além de eliminar o respeito à dignidade da pessoa humana como um princípio de nação.
Com isso, a Nicarágua irá caminhar na contramão do consenso global que faz da dignidade uma pedra angular da ordem internacional baseada nos direitos humanos.
Desde 2018, a situação de violações dos direitos humanos tem piorado no país latino-americano quando o governo respondeu com violência a protestos de estudantes que exigiam a renúncia do presidente Daniel Ortega.
No ano passado, autoridades prenderam clérigos e outros religiosos além de pessoas que discordavam do governo.
O alto comissário de direitos humanos da ONU pediu a libertação imediata de todos os presos políticos.
*O Grupo de Peritos em Direitos Humanos sobre a Nicarágua é um órgão independente, estabelecido em 2022, e comissionado pelo Conselho de Direitos Humanos.