Ansiedade: a doença da atualidade que redefine a saúde mental no século XXI
A ansiedade, considerada por especialistas como a “doença da atualidade”, tem desafiado os limites da compreensão científica e social sobre saúde mental. Em uma sociedade em ritmo frenético, onde a exigência pela produtividade, a pressão social e a hiperconectividade tomam conta das rotinas, cresce a prevalência de transtornos de ansiedade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país com maior taxa de pessoas ansiosas no mundo, com aproximadamente 9,3% da população convivendo com essa condição.
A psicanalista e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Maria Lúcia Rodrigues, destaca que a ansiedade é uma resposta humana esperada diante de situações de perigo ou incerteza, porém, seu desequilíbrio configura-se como um transtorno que afeta não só o bem-estar psíquico, mas também o corpo. “A ansiedade é um fenômeno humano, ligada à antecipação do futuro. Contudo, quando essa antecipação se torna constante e intensa, ela passa a paralisar, ao invés de motivar, gerando uma gama de sintomas físicos e psicológicos que compromete a qualidade de vida do indivíduo”, explica.
O contexto atual: A pressão e a incerteza
O psiquiatra Eduardo Moura, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), aponta que a pandemia da COVID-19 acentuou de forma significativa o quadro ansioso global, desencadeando uma “segunda onda” de impactos na saúde mental. “Durante a pandemia, houve um aumento drástico na busca por atendimentos em saúde mental. O medo do vírus, o isolamento, as perdas financeiras e de entes queridos criaram um cenário de insegurança sem precedentes, elevando os níveis de ansiedade”, destaca Moura. A falta de previsibilidade sobre o futuro, aliada ao bombardeio constante de informações – muitas vezes alarmistas – nas redes sociais, agravou ainda mais o estado psicológico de milhões de pessoas.
Sintomas e impactos sociais
Segundo a literatura psiquiátrica, o transtorno de ansiedade generalizada (TAG) é caracterizado por uma preocupação excessiva e difícil de controlar sobre diversos aspectos da vida, como saúde, finanças e relacionamentos. Entre os sintomas mais comuns estão a irritabilidade, dificuldade de concentração, insônia, fadiga e dores musculares. Moura acrescenta que, além desses sinais, é comum haver um impacto significativo na capacidade de execução de tarefas cotidianas. “Pacientes com transtorno de ansiedade generalizada relatam um cansaço crônico e um bloqueio mental que os impede de tomar decisões simples. A ansiedade é como uma corrente invisível que prende o indivíduo e o impede de viver com fluidez”, explica o psiquiatra.
Esse impacto transcende a esfera individual e repercute no meio social. Na avaliação da psicanalista Maria Lúcia Rodrigues, as redes sociais têm um papel fundamental nesse processo, alimentando comparações e uma incessante necessidade de validação. “Vivemos em uma era onde a imagem e o desempenho são supervalorizados, e a exposição nas redes sociais intensifica esse processo. A sensação de que nunca se é bom o suficiente ou que se está constantemente atrasado em relação aos outros gera um ciclo de autossabotagem e angústia”, diz a especialista.
A medicalização da ansiedade: Solução ou paliativo?
O aumento expressivo de diagnósticos de ansiedade também trouxe à tona o debate sobre a medicalização e o uso excessivo de psicofármacos. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) revelam que o consumo de medicamentos ansiolíticos, como o clonazepam e o diazepam, aumentou em 35% nos últimos cinco anos. Embora reconheçam a importância dos fármacos em muitos casos, especialistas alertam para os riscos de uma dependência química e o uso indiscriminado desses remédios.
“Os medicamentos são fundamentais em situações mais graves, mas é preocupante o aumento de prescrições sem o devido acompanhamento terapêutico”, avalia Moura. O psiquiatra defende uma abordagem integrada, que inclua não apenas o uso de medicamentos, mas também intervenções psicoterapêuticas. Nesse sentido, a psicanálise tem se destacado como uma ferramenta poderosa para explorar os conflitos inconscientes que alimentam a ansiedade.
Caminhos possíveis: Terapia e autocuidado
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é amplamente reconhecida como um dos tratamentos mais eficazes para transtornos de ansiedade. A técnica ajuda o paciente a reconhecer padrões de pensamentos distorcidos e a desenvolver estratégias para enfrentá-los. Além disso, práticas de autocuidado como exercícios físicos, meditação e yoga têm ganhado espaço como formas de redução do estresse e promoção do bem-estar. “É essencial que a pessoa ansiosa desenvolva uma rede de apoio e cultive hábitos que promovam um equilíbrio psíquico e físico”, aconselha Maria Lúcia Rodrigues.
Além dos tratamentos clínicos, a conscientização sobre a importância do autocuidado tem se mostrado um aliado valioso no combate à ansiedade. Nesse contexto, a meditação e as práticas de mindfulness vêm sendo amplamente recomendadas por especialistas, que defendem sua eficácia na redução de sintomas ansiosos e depressivos. Moura pontua que “essas técnicas proporcionam uma forma de desconectar do excesso de estímulos e focar no presente, reduzindo a hiperatividade mental e criando um espaço de tranquilidade interior”.
O papel das políticas públicas
O aumento dos casos de ansiedade também trouxe à tona a necessidade de políticas públicas voltadas para a saúde mental. O psiquiatra Eduardo Moura ressalta que a sobrecarga do sistema de saúde pública, aliada ao estigma em torno das doenças mentais, dificulta o acesso ao tratamento. “É necessário um investimento maciço em campanhas de conscientização e na ampliação do acesso a terapias gratuitas ou de baixo custo. Precisamos quebrar o tabu que envolve as doenças mentais e garantir um tratamento digno para todos”, defende o especialista.
A psicanalista Maria Lúcia Rodrigues também aponta que a educação sobre saúde mental nas escolas poderia contribuir para uma maior conscientização e prevenção dos transtornos ansiosos. “Falar sobre ansiedade e ensinar os jovens a lidarem com suas emoções desde cedo é essencial. Isso evitaria o agravamento do problema na fase adulta”, afirma.
Diante de um cenário de incertezas e mudanças constantes, a ansiedade tornou-se a grande epidemia mental do século XXI. A pressão por sucesso, a comparação incessante nas redes sociais e a falta de uma rede de apoio emocional contribuem para o aumento dos casos. Enquanto a ciência avança na busca por tratamentos mais eficazes, resta à sociedade refletir sobre as suas exigências e reavaliar o ritmo que impõe aos seus indivíduos.
O desafio, portanto, é coletivo. É preciso dar atenção à saúde mental com a mesma seriedade que se dedica à saúde física, combatendo o estigma, promovendo o autocuidado e garantindo um suporte adequado para os que enfrentam a ansiedade. Somente assim será possível construir um futuro onde viver não seja sinônimo de sobreviver.