22/12/2024

Cidade de órfãos em Gaza é raio de esperança em meio à escuridão da guerra

Iniciativa apoiada pelo Unicef dá assistência a 400 famílias que perderam seus homens; local conta com um centro médico privado e uma escola; crianças relatam a perda de seus pais e irmãos e falam  que o acampamento se tornou um segundo lar, pois todos “têm a mesma história e dor”

Prestes a completar um ano, o conflito em Gaza deixou mais de 41 mil mortes, segundo o Ministério da Saúde palestino, principalmente mulheres e crianças. A maioria da população do enclave foi deslocada à força e hoje está sitiada em apenas 10% do território.

Em meio a essa situação sombria, existem iniciativas que buscam oferecer ao menos um pequeno raio de luz de esperança.

Campo de órfãos com 400 famílias

Na área de Al-Mawasi, a oeste de Khan Yunis, o professor Mahmoud Kalakh estabeleceu um acampamento destinado a proporcionar algum alívio às famílias que perderam os seus homens e meios de subsistência.

O campo de órfãos Al Baraka acolhe atualmente 400 famílias palestinas deslocadas para esta zona do sul de Gaza. Em uma entrevista para a ONU News, Kalach disse que a iniciativa busca prestar cuidados às famílias no que ele descreveu como uma “cidade de órfãos”, incluindo abrigo, comida e bebida, cuidados médicos e serviços educacionais e sociais.

O local conta com um centro médico privado e uma escola patrocinada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, que forneceu os recursos necessários, materiais e salário para professores.

Taleen Al-Hinnawi perdeu o pai como resultado da guerra em Gaza e agora vive no orfanato Al-Baraka
UN News/Ziad Taleb
Taleen Al-Hinnawi perdeu o pai como resultado da guerra em Gaza e agora vive no orfanato Al-Baraka

“Papai era muito carinhoso”

O número de crianças atendidas é apenas uma gota no oceano de crianças órfãs em Gaza que necessitam de proteção. Os dados mais recentes indicam que o número de órfãos desprotegidos em Gaza oscila entre 17 e 18 mil crianças, muitas das quais não estão acompanhadas por nenhum membro da sua família.

Talin Al-Hanawi é uma dessas crianças. Ela perdeu o pai em consequência da guerra e está tentando se adaptar à sua nova vida no campo de órfãos de Al-Baraka. Sinais de choque e tristeza encheram seu rosto enquanto conversava com o correspondente da UN News e lembrou de seu pai, que descreveu como “muito carinhoso”.

Ela disse que deseja voltar para sua casa na Cidade de Gaza “para que a vida possa voltar ao normal, e possamos estudar como todos os outros, e memorizar o Alcorão como todos os outros”.

Na opinião desta jovem, a guerra está tentando “eliminar famílias inteiras”.

Nada Al-Gharib perdeu o pai e o único irmão num ataque à tenda da família, que também feriu ela e a sua mãe, em Gaza
UN News/Ziad Taleb
Nada Al-Gharib perdeu o pai e o único irmão num ataque à tenda da família, que também feriu ela e a sua mãe, em Gaza

“Somos como irmãos aqui”

Outra jovem palestina, Nada Al-Gharib, relatou que esta guerra tirou dela o pai e o único irmão. Ela disse que ela e sua mãe ficaram feridas no ataque à bomba na tenda onde a família estava abrigada em Khan Yunis e ficaram presas lá por três dias.

Nada disse que a sua família foi deslocada do norte de Gaza para Khan Yunis “porque isto é o que a ocupação exigia”. Ela acrescentou: “Viemos aqui e fomos sitiados. Meu pai e meu único irmão foram martirizados, e minha mãe e eu ficamos feridas”.

Nada disse que depois de conseguirem sair da tenda, ela e a mãe foram para a zona industrial a oeste de Khan Yunis, onde receberam tratamento e foram novamente sitiadas. Depois cruzaram os postos de controle israelenses até Rafah, e então chegaram ao campo de órfãos de Al-Baraka.

A jovem disse que ela e sua mãe encontraram um segundo lar neste acampamento, “porque todos ao redor têm a mesma história e dor”. Ela acrescentou: “Somos como irmãos aqui, e todas as mães são como nossas mães, e todos os filhos são nossos irmãos. Nós nos amamos muito aqui e amamos nossas vidas, mesmo que seja difícil e se separar deles seja difícil para nós. Tentamos viver para eles.”

Nada disse que seu pai era um homem excelente e gentil que amava muito sua família. Ela acrescentou: “Nunca nos foi permitido fazer nada difícil. Agora, as coisas estão difíceis. Temos que buscar água e fazer coisas que os homens deveriam fazer, mas temos que fazer, porque os perdemos”.

14 mil crianças mortas

O Unicef afirma que a escalada da violência na Faixa de Gaza está tendo um impacto catastrófico nas crianças e nas famílias, uma vez que os menores estão morrendo em um ritmo alarmante. Mais de 14 mil crianças foram mortas, segundo estimativas do Ministério da Saúde palestino, e outras milhares ficaram feridas.

Estima-se que 1,9 milhões de pessoas, cerca de 9 em cada 10 habitantes de Gaza, tenham sido deslocadas internamente, mais de metade das quais crianças, sem acesso a água, alimentos, combustível e medicamentos suficientes.

O Unicef apela por um cessar-fogo imediato e permanente por razões humanitárias. Além disso, a agência pede acesso rápido, seguro e sem entraves à ajuda humanitária a todas as crianças e famílias necessitadas dentro da Faixa de Gaza.

O Unicef também pede pela libertação imediata, segura e incondicional de todas as crianças raptadas e o fim de quaisquer violações graves contra crianças, incluindo assassinato e mutilação.