Violência Doméstica: um sinal de adoecimento social
Já virou regra cotidiana dos noticiários brasileiros os tristes relatos envolvendo casos de violência doméstica. Com índices alarmantes, o país está vivendo uma crise nesse tipo de crime, a qual está presente em todos os meios sociais, vitimizando pessoas de todas as classes sociais, de todos os níveis de instrução e em todas as regiões do Brasil. Do lado dessas vítimas – essencialmente mulheres – principalmente o Estado, justamente porque o cenário preferido dos agressores é o lar da família, devidamente protegido pela sua constitucional inviolabilidade, atendendo ao princípio do My home is my castle.
É cediço que a lei é para todos e qualquer tipo de violência deve ser absolutamente reprimida, cessada e punida, nos termos do ordenamento jurídico posto. Nesse mesmo diapasão, a polícia e todos os aparelhos de segurança do Estado devem estar a serviço de todos, à inteira disposição e qualquer cidadão que se veja em situação de perigo. E é a partir desse ponto que alguns questionamentos devem ser feitos. Sobretudo acerca da postura das autoridades e do modo como os procedimentos são realizados, guardando disparidades bem acentuadas.
A violência doméstica é uma triste realidade que ainda está presente em diversos lares brasileiros. E as partes integrantes dessa lamentável realidade estão em todos os ambientes e classes sociais. Das periferias aos bairros mais luxuosos há vítimas e agressores, quase sempre ocultos pelo medo ou camuflados em perfis condutopáticos, em crescimento exponencial nos últimos anos, sobretudo pós pandemia. Justamente por isso, todas as políticas e, principalmente, atuações das forças de segurança pública devem ser eficazes, acolhedoras e isonômicas. Afinal, como a violência não escolhe cor, bairro ou classe social, o atendimento dos aparelhos estatais deve ser rigorosamente o mesmo, atendendo à peculiaridade de cada vítima.
Dados alarmantes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) dão conta de que a cada oito minutos uma menina ou mulher foi estuprada no primeiro semestre de 2023, no Brasil. Foram 34 mil estupros, fora a considerável questão da subnotificação, que contempla as mulheres que – por medo, vergonha, ou qualquer outro motivo – não registraram a ocorrência policial. Sobre esse tema, vale a leitura da matéria “Número de estupros aumenta 14,9% no Brasil, com 34 mil em seis meses”, disponível no Portal Dokimasia.
Informações como essa fazem aflorar a reflexão de que a sociedade anda doente e que as pessoas precisam reencontrar seus respectivos equilíbrios para que possamos caminhar para tempos melhores. E todas as vítimas de violência devem ser protegidas, bem como todos os agressores, efetivamente punidos, de forma justa e implacável. De toda forma, parece evidente que a grande dificuldade na rede de proteção às vítimas de violência, sobretudo doméstica, está na escuta humanizada das mesmas, bem como na acolhida das mesmas.
A grande vulnerabilidade das vítimas – independente de classe social – está na intimidade do seu agressor. Ao prever essa situação, o legislador criou as chamadas medidas protetivas, justamente para resguardar a vítima, afastando-lhe de seu agressor. Entretanto, a eficácia desses recursos é bastante limitada, esbarrando em uma série de limitações de aplicabilidade dentro do próprio Direito, o qual acaba – pelos próprios direitos e garantias do suposto agressor – criando óbices à sua plena destinação.
Diante de tudo isso, parece-me cristalino que além do imediato afastamento do agressor e sua consequente punição, ocupa mesma importância a acolhida da vítima, neste momento de tamanha vulnerabilidade. O atual panorama desenhado no Brasil demonstra que a legislação tem um enfoque maior em punir o agressor do que, necessariamente, proteger a vítima. Mais um paradigma a ser quebrado e vencido em favor das pessoas que sofrem violência doméstica e, na grande maioria das vezes, podem contar apenas com o Estado para lhes proteger.