O Hino Nacional e o instinto humano de alijamento
O instinto de criticar mostra-se aflorado diante de cenários dominados pelo grande público, sobretudo daqueles em que o que pouco conhecem acabam por – justamente por pouco conhecer – sentirem-se verdadeiros mestres no assunto. A universalidade da Internet acabou por dar voz a milhares de “especialistas” antes acobertados pelo anonimato e protegidos do narcisismo pelos controles do próprio Estado.
Nos tempos atuais, em que vige o princípio do broadcast yourself, as pessoas procuram se promover a qualquer custo, quase que mendigando por follows ou likes nas redes socias, conquistados mediante grande empenho. E é exatamente nesse processo de empenho que acabam entrando em uma dinâmica cuja finalidade suplanta as preocupações com os meios. Assim, a crítica desperta no púbico uma sensação de conhecimento, do domínio de determinado assunto. Por isso, lançar mão de críticas desnecessárias e, muitas vezes, maldosas tem sido um artifício utilizado por várias pessoas, como pseudocatalisador de carreiras de influenciadores digitais.
Dentro desse contexto, mais uma vez, o Hino Nacional foi pano de fundo para diversos “julgados” no implacável tribunal da Internet. Desta vez, o alvo foi a cantora Ludimilla, a qual entoou a canção da pátria no grande prêmio de Fórmula 1, no autódromo de Interlagos, em São Paulo. Em escorreita exibição, acompanhada pelos precisos acordes do jovem Miguel Vicente, ao cavaquinho, uma nítida falha no sistema de som fez com que sua voz sumisse, ainda nos primeiros compassos do hino, sendo restabelecida, em seguida, no meio da palavra “retumbante”. E isso foi o suficiente para choverem milhares de comentários apontando o erro da cantora no evento.
Para muito além do tal erro (inexistente), aproveitou-se da situação até para levar a conversa para o plano político. Não faltaram comentários injuriosos e destacando se a cantora figurava um ou outro lado da conturbada política polarizada que o país enfrenta. Ao invés de tentar verificar o que houve, na busca da verdade, os afoitos digitais preferem satisfazer seus dedos inflamáveis com a publicação das mais violentas críticas, violando quem quer que seja. Tudo em nome do pequeno poder de “aparecer” de alguma forma, ainda que de forma nefasta e nas costas do outro. É unir o instinto humano do alijamento à busca pela fama que se foi ou que nunca se teve.
Talvez as pontes e as flores não tenham o mesmo efeito midiático que as pedras, sobretudo quando se pensa de forma imediatista e, por isso, efêmera. Em qualquer cenário, a credibilidade não pode ser construída pela crítica vazia, ao contrário. Mesmo não sendo apreciador de funk e tendo razoável conhecimento do Hino Nacional, em letra e música, jamais poderia levantar qualquer ponto negativo à execução da dupla. Ao contrário, os acordes do acompanhamento foram belos, vívidos e impecáveis, tendo emoldurado a harmonia para a precisa e afinada melodia entoada por Ludimilla. Tudo isso sem falar da vitória pessoal de cada um dos dois em estar ali, naquele momento. Esses são, de fato, os verdadeiros pontos a ser destacados e referenciados.