07/12/2025

Desafios e Resistências: refletindo sobre a valorização da herança africana no brasil

No mês da Consciência Negra, tenho o privilégio de voltar ao Portal Dokimasia para abordar um tema que toca profundamente o coração da luta antirracista e que foi objeto da redação do Enem de 2024: “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil.” Em meu último artigo, trouxe a história do jogador de futebol Vinícius Júnior como um símbolo de resistência e dignidade frente ao racismo no esporte. Hoje, com essa pauta em evidência, é impossível não celebrar a escolha desse tema pelo Enem e considerar a importância de refletirmos sobre nossa herança africana e o que ela significa para a sociedade brasileira.

Sou Erika Verde, advogada negra nordestina, membro da Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Maranhão, e colunista deste portal. Em minha trajetória, buscamos reafirmar a importância de importância, preservar e valorizar nossa herança africana, não apenas como um patrimônio cultural, mas como um aspecto essencial da identidade brasileira. Esse reconhecimento, no entanto, enfrenta desafios que vão desde a invisibilização histórica até a necessidade de políticas públicas eficazes e o enfrentamento do racismo estrutural que, por séculos, marginalizou e desvalorizou a cultura negra.

 

Os Desafios de Ser Mulher Negra na Advocacia e na Luta Antirracista

Como mulher negra nordestina e advogada, meu percurso sempre foi marcado por um cenário onde desafios e conquistas caminham lado a lado. Lutar pelo espaço, visibilidade e respeito, em uma profissão que ainda tem raízes predominantemente elitistas e brancas, requer muita resiliência e determinação. Essa trajetória me fez enxergar de perto o quanto o racismo estrutural ainda atua de forma incisiva em diversas áreas de nossa sociedade, e como a valorização da herança africana no Brasil vai além de uma simples lembrança histórica. Trata-se de considerar a relevância das influências culturais, religiosas, sociais e econômicas de uma herança africana que moldou e enriqueceu o Brasil, mas que, historicamente, foi esquecida e até combatida.

Em minha atuação na Comissão da Verdade da OAB no Maranhão, tenho visto como os desafios da luta antirracista se manifestam tanto na garantia de direitos fundamentais quanto na manutenção da memória e da dignidade de nossos ancestrais. Essa comissão tem como um de seus pilares revelar injustiças, violências e o apagamento sofrido pelas populações negras e indígenas, e esse trabalho é um esforço para reverter séculos de invisibilidade histórica e de exclusão social. Essa realidade, infelizmente, ainda encontra respaldo nas leis e práticas discriminatórias que persistem no nosso sistema.

 

A Herança Africana e a Formação da Identidade Brasileira

A herança africana é central na construção da nossa identidade nacional. Ela está presente nas artes, na culinária, nas religiões de matriz africana e até mesmo em nosso idioma. No entanto, o processo de valorização e preservação da herança enfrenta constantes. A visão eurocêntrica da história, por exemplo, ainda domina o currículo escolar, minimizando as contribuições dos povos africanos e reforçando estereótipos que limitam o entendimento da nossa própria diversidade.

Nesse cenário, é urgente que a sociedade, em especial a juventude, reconheça a riqueza de nossas raízes africanas e como isso nos torna culturalmente diversas e únicas. Iniciativas como a adoção do tema no Enem 2024 representam uma conquista significativa, pois ampliam a conscientização e incentivam o debate sobre a importância de valorizar a herança africana. Ainda assim, a mudança deve ir além das salas de aula, estendendo-se para espaços culturais, mídia e políticas públicas que promovam e protejam esse patrimônio.

 

Desafios e Caminhos para a Valorização

O combate ao racismo estrutural é, sem dúvida, o primeiro e maior desafio na valorização da herança africana. Esse racismo, enraizado em nossas instituições, é como uma força invisível que desqualifica e marginaliza manifestações culturais e religiosas de origem africana. A proteção dessas manifestações e o respeito a todas as formas de expressão da herança africana devem ser garantidas por meio de leis, educação e campanhas de conscientização que desmistifiquem e desarmem preconceitos.

Nossa luta diária também mostra a necessidade de políticas públicas que garantam a preservação e divulgação da cultura afro-brasileira. Museus, exposições e eventos culturais são importantes, mas devem ser apoiados por iniciativas que promovam o desenvolvimento econômico das comunidades negras, a inclusão de mais representatividade em espaços de poder e a criação de oportunidades para artistas, líderes e profissionais negros.

Como mulher negra na advocacia, luto para abrir caminhos que inspirem as próximas gerações a se valorizarem e lutarem pelo respeito e pelo reconhecimento de nossa cultura. A luta de Vinícius Júnior, que mencionei no último artigo, reflete a resistência dos afrodescendentes em um país onde a igualdade plena ainda está por ser alcançada. Para os estudantes que enfrentam esse tema na redação do Enem, deixo uma mensagem: o processo de valorização da herança africana é uma luta coletiva, e cada um de nós pode ser um agente de mudança.

Para finalizar, convido a todos a refletirem sobre a importância de abraçarmos nossa identidade afro-brasileira e não apenas rejeitar o racismo, mas nos posicionarmos ativamente contra ele. Que o exemplo de resistência, seja de jovens como Vinícius Júnior ou de tantas mulheres negras que pavimentaram o caminho para o futuro, nos inspira a construir uma sociedade onde a igualdade e o respeito sejam mais que ideais – sejam realidade.